
Neste sentido, diante do espaço destinado a reflexões, ofertado pela minha amiga e sábia pesquisadora, manifesto o meu desabafo.
A defesa pela vigência da Convenção n. 158 da OIT é assunto de extrema relevância, posto que a sua repercussão não se atrela somente ao âmbito jurídico, como também incide em toda a sociedade.
Como reflexo da exacerbação do ultraliberalismo, constata-se, no cenário nacional, a banalização da dispensa injusta, e, por conseqüência, o tratamento do empregado como produto defeituoso do capitalismo (pouco importando a sua individualidade nas relações familiares e sociais), no qual ocorre excesso de rotatividade de empregados, multiplicação de contratações precárias, ausência de formalidade na prestação de serviços pelo trabalhador e, se não bastasse, o desemprego.
Inobstante compartilharmos dos ensinamentos do Professor Márcio Túlio Viana, que nos levam a compreender que por meio dos direitos humanos em geral, dos princípios constitucionais, da previsão expressa do inciso I do art. 7º da CF/88, ou mesmo dos princípios do Código Civil Brasileiro, já seria possível banir as dispensas arbitrárias, a luta pelo pleno vigor da Convenção n. 158 da OIT torna-se necessária na nossa atualidade, por se reconhecer que “a sua utilidade prática é evidente”.
Embora a aplicação dessa Convenção, no Brasil, tenha sido desde a demora da sua ratificação ( e até hoje), objeto de viva polêmica, pode-se afirmar que boa parte da discussão se deve, no entanto, à equivocada ou manipulada compreensão do seu conteúdo, bem como à má condução do problema, que assim repercutiu na sua denúncia e, finalmente, na arguição de inconstitucionalidade dessa denúncia (ADIn 1625).
Como se sabe, o ponto central da Convenção n. 158 da OIT encontra-se ao condicionar a validade da resilição unilateral por parte do empregador a uma justificação, que pode pautar-se somente na capacidade/comportamento do trabalhador ou nas necessidades empresariais.
Pela leitura deste diploma convencional, em específico do seu art. 4º, bem como da nossa Carta Constitucional, em destaque, o art. 7º, I, constata-se que ambos cuidam da proteção da relação de emprego contra a dispensa imotivada, razão pela qual, pode-se afirmar que a Convenção n. 158 da OIT e a Constituição Federal de 1988 apontam no mesmo sentido.
Em que pese à discussão doutrinária quanto à hierarquia infraconstitucional, constitucional e supralegal assumida pela Convenção n. 158 da OIT, ao ser incorporada na legislação nacional, diante da sua natureza de tratado internacional de proteção aos direitos humanos, preferimos ultrapassá-la.
Independente da construção jurisprudencial que se adote, a conclusão será sempre a mesma: a Convenção n. 158 da OIT ao integrar o ordenamento jurídico brasileiro destina-se a concretizar a dignidade humana por meio da proteção de emprego contra a dispensa injustificada disposta no art. 7º, I da CF/88.
Urge salientar que a vigência da Convenção n. 158 da OIT, em nenhum momento, obstaculiza edição de lei complementar prevista nesse art. 7º, I da CF/88, do mesmo modo que o comando normativo ora previsto não se torna suficiente para inibir/invalidar a ratificação dessa Convenção.
Embora a lei complementar permaneça “no limbo programático”, imperiosa a sua elaboração para enunciar os conceitos de despedida “arbitrária” e “sem justa causa”, dispor sobre “indenização compensatória” e prever os casos que a enseja e o seu quantum, e, ainda, revelar quais “os outros direitos” a ser abrangidos diante da proteção garantida na relação de emprego.
A invalidade da denúncia à Convenção n. 158 da OIT pauta-se, principalmente, na interpretação equivocada do art. 7º, I da CF/88 e no atropelo que faz às próprias disposições da Convenção n. 158 da OIT, bem como às formalidades tipificadas na Convenção n. 144 da OIT.
Portanto, defendemos a inconstitucionalidade da denúncia, o que nos permite concluir que a Convenção n. 158 está em pleno vigor no País e ansia-se pela total procedência dos pedidos constantes da ADIn n. 1625
Pugnar pela vigência da Convenção n. 158 da OIT é abolir a tradição abstracionista e excludente da cultura juspolítica brasileira, o que repercute, diretamente, na concretização do art. 7º, I da CF/88, no respeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e na garantia de real efetividade do Direito do Trabalho no Brasil.
Por todo o exposto, encerra-se a presente manifestação nas palavras do Professor Márcio Túlio Viana: “(...) agora, mais do que nunca, não devemos ter medo de pensar, de mudar, de ousar. Só assim estaremos usando o Direito do Trabalho para transformar a realidade” e conclui-se que aplicar a Convenção n. 158 da OIT é reconhecer/respeitar o fenômeno da constitucionalização do Direito do Trabalho, “em que o princípio da dignidade da pessoa humana revelou-se como núcleo de afirmação dos demais direitos”. (DELGADO, 2007:67-87)
[i] Dentre elas, destaca-se que não há motivo para apresentação de proposta de “re-ratificação”, uma vez que declarada a inconstitucionalidade da denúncia, a Convenção n. 158 da OIT passa a encontrar-se em plena vigência.
Mesmo assim, vale lembrar que, em fevereiro de 2008, o atual Presidente da República encaminhou ao Congresso mensagem para nova ratificação da Convenção n. 158 da OIT. Em julho, do mesmo ano, na Comissão de Relações Exteriores, os parlamentares adotaram o parecer do deputado Júlio Delgado (PSB/MG) contrário à ratificação, por 20 votos a 1, sendo encaminhado pedido de arquivamento da mensagem presidencial à mesa da Câmara dos Deputados.
Esse posicionamento dos parlamentares vale como termômetro para se constatar a atualidade do boicote à Convenção n. 158 da OIT e da triste tradição brasileira de valorizar extremamente o econômico em detrimento do ser humano que representa ofensa direta ao princípio da dignidade da pessoa humana.
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* Roberta Dantas é advogada, aluna em disciplinas isoladas do Mestrado em Direito do Trabalho da Puc Minas. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário e em Direito Processual Constitucional.
A Roberta disse tudo, citando o professor Márcio Túlio.. precisamos ter coragem e ousar. Eu acredito na Mmudança sim!
ResponderExcluirPara maior aprofundamento, recomendo também a leitura do artigo disponível em: http://jusvi.com/artigos/41534
ResponderExcluirObrigada pela Dica!!
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