31 de mar. de 2009

E aí? pontos para refletir

O empregador pode fiscalizar o e-mail se o empregado estiver ciente?
Podem existir câmeras de vigilância no local de trabalho.. voltadas aos empregados?
E o GPS... agora ele pode ser o grande dedo-duro? o empregado pode se negar a utilizar o celular da empresa, já que esse será o seu "fiscalizador"?

A modernização das relações de trabalho e os direitos fundamentais do trabalhador

Atualmente nos deparamos com uma sociedade dinâmica, em constante modernização tanto nos aspectos sociais como tecnológicos. O capitalismo, a concorrência desenfreada resultante da globalização e a busca por maior lucratividade nas empresas e a tentativa de precarização do direito do trabalho também fazem parte das mudanças verificadas.
O poder judiciário não ficou alheio a todas estas transformações e evoluiu muito na utilização das novas tecnologias, desde a utilização do fax até o moderno processo eletrônico. Também os intérpretes e aplicadores do Direito devem acompanhar estas mudanças.
A Justiça do Trabalho encontra mais um desafio frente ao mundo info-info , a necessidade de adaptação às modernas formas de emprego, onde se verifica uma mudança significativa na forma de prestação dos serviços, contratação de pessoal e fiscalização do serviço prestado.
Novas profissões, novas fórmulas de prestação de serviços, empresas com estruturas físicas diminutas (ou inexistentes) e contratação de empregados em diversas regiões do país e do exterior já são situações corriqueiras no cotidiano trabalhista. É evidente que juntamente com toda esta modernização nas relações de emprego, também evoluem as formas de fraude à lei e de trabalho informal, no entanto, como lembra Chiarelli (2006:21) “Para o funcionamento da empresa, continua sendo indispensável a existência de empregados típicos. Para isso, as relações típicas de emprego devem ser mantidas, sem prejuízo das devidas adaptações e reformas.” E são estas adaptações e reformas, que acabam sendo realizadas pelos operadores do direito.
Os conceitos basilares das relações de emprego vem sendo alvo de uma releitura necessária ante às novas perspectivas globalizantes. Como muito bem colocado por Renault (2004:31): “Desterritorialização, descentralização e exteriorização do trabalho passam a ser palavras de ordem, capazes de ampliar as perspectivas de maior produtividade e lucratividade”, diante deste quadro os requisitos da caracterização de vínculo de emprego, já não podem mais ser analisados de forma convencional.
O trabalho que outrora era prestado na sede da empresa, hoje pode ser realizado em casa, o controle de horário, que fora realizado pelo cartão ponto, vem sendo substituído pelo correio eletrônico, programas de comunicação instantânea, rádio, telefone ou videoconferência, a fiscalização do trabalho vem sendo feita por meio eletrônico e a subordinação ganha novos contornos. O contato entre empregado e empregador torna-se mais sutil, sendo muito comum o empregado residir em determinada localidade e prestar serviços para empresa sediada em outra, assim é possível que todo o contrato de emprego seja realizado sem que exista contato pessoal entre empregador e empregados.
Como vimos, são muitas modificações nas relações sociais e a legislação não consegue acompanhar o ritmo destas inovações, no entanto a realidade não pode esperar, os conflitos trabalhistas são iminentes, cabendo aos julgadores a adaptação da legislação existente à realidade emergente. Neste contexto, os direitos fundamentais trabalhistas têm um papel fundamental.
Uma vez submetido caso concreto à apreciação da Justiça do trabalho, este não pode ficar sem solução em virtude da inexistência de legislação específica sobre a matéria, cabe ao julgador integrar o ordenamento jurídico positivo e assim inicia a árdua tarefa deste.
Preceitua o artigo 8º da CLT que na ausência de normas legais ou contratuais, a decisão será orientada pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais do Direito e especialmente do Direito do Trabalho. No entanto, subjetivamente há um importante norteador do julgamento, o livre convencimento do julgador.
Nestes tempos de modernidade há um deslumbramento pelo novo e desconhecido e conseqüentemente um risco iminente de negligenciar o convencional.
Descartada a intenção de conduzir o convencimento de julgadores, busca-se chamar atenção para a relevância dos Direitos Fundamentais Trabalhistas neste momento, eis que, como nos ensina Romita (2007) a dignidade é o fundamento dos Direitos Fundamentais e estes se aplicam aos trabalhadores como cidadãos da polis e como sujeitos da relação do trabalho.
Assim, considerando a relação desigual nas relações de emprego e a utilização de novas tecnologias no curso desta relação, a dignidade do empregado não pode ser desprezada, e mais, sendo esta a base dos Direitos Fundamentais, imprescindível a aplicação destes na apreciação do caso concreto.
Ainda segundo o ensinamentos de Romita (2007) são Direitos Fundamentais dos trabalhadores, e, portanto indisponíveis, os direitos da personalidade (honra, intimidade e imagem), liberdade ideológica, liberdade de expressão e informação, igualdade de oportunidade e de tratamento, não discriminação, idade mínima de admissão no emprego, salário mínimo, saúde e segurança no trabalho e proteção contra despedida injustificada.
No entanto, apesar de tratar- se de direitos insuscetíveis de renúncia, o que verificamos em muitos casos é o desprezo total a este fato, quando é conhecido que empregados são compelidos a abdicar direitos fundamentais em prol das novas tecnologias e isso, claro, motivado pelo animus de continuidade no emprego.
Em uma análise nas decisões que vem sendo proferidas não é incomum encontrar violações sérias dos Direitos Fundamentais dos trabalhadores, sob a justificativa de que os trabalhadores estão sujeitos ao contrato de trabalho ou que alguns de seus direitos ficam neutralizados frente aos direitos empresariais.
Essa situação se agrava quando estamos diante de um caso de utilização de novas tecnologias, cujas práticas não estão disciplinadas em lei e sobre as quais pairam muitas dúvidas quanto à sua legitimidade. È licito que o direito do empregador se sobreponha ao direito de intimidade de seu empregado, considerando que esta relação já é tão desigual? E o cerceamento do direito de informação? Havendo renúncia expressa do funcionário, o direito indisponível torna-se disponível? O direito de propriedade dos empregadores está acima dos direitos fundamentais dos trabalhadores? É aceitável a vigilância continua e ostensiva do ambiente de trabalho? A tecnologia tem o poder de descaracterizar as relações de trabalho?Quais as conseqüências da utilização de novas tecnologias no caso concreto?
Data vênia posicionamentos já consagrados e as críticas ao protecionismo da justiça do trabalho, a resposta à estas questões não pode afastar-se da proteção aos direitos fundamentais dos trabalhadores, sob pena de negar a dignidade destes. E negar a dignidade dos trabalhadores, seria negar-lhes a condição humana.
A globalização é uma realidade, a concorrência dita as regras da sociedade e as tecnologias avançam em ritmo extraordinário, no entanto, os operadores do direito (advogados, juízes, procuradores, doutrinadores) devem estar atentos para não ceder às pressões “flexibilizantes”, cujo intuito seja meramente precarizante, esquecendo a longa caminhada percorrida até os dias atuais na conquista de direitos trabalhistas e a essência da norma trabalhista, que, segundo Viana (2006: 170) “é que a norma trabalhista não busca apenas regular as relações entre dois contratantes (para isso seria bastante o direito comum), mas proteger um deles, em face do outro. Se a tutela se vai, nada lhe sobra de especial.”





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CHIARELLI, Carlos Alberto. Trabalho: Do hoje para o amanhã. São Paulo:LTR: 2006
RENAUTL, Luiz Otávio Linhares. Que é isto - o direito do trabalho? In PIMENTA, José Roberto Freire [et al] coordenadores. Direito do Trabalho: Evolução, crise e perspectivas. São Paulo: LTR, 2004. P. 17-80
ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo:LTR, 2007.
VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado. In PIMENTA, José Roberto Freire [et al] coordenadores. Direito do Trabalho: Evolução, crise e perspectivas. São Paulo: LTR, 2004. P. 155- 181